Ah, as histórias de futebol. Tantas são elas, todas da infância. Aliás, nem todas, algumas nos acompanham mesmo após muitos anos.
Em uma tarde quente do ano de 2013 ou 2014, não sei precisar ao certo, eu caminhava pelo centro da cidade quando vi uma figura sentada em um bar. Já bem mais velho, como eu, mas perfeitamente reconhecível. Era ele, o Cotia, o maior artilheiro que eu já havia conhecido.
Há quanto tempo não o via? 15, 20 anos? Sei lá.
Em uma tarde quente do ano de 2013 ou 2014, não sei precisar ao certo, eu caminhava pelo centro da cidade quando vi uma figura sentada em um bar. Já bem mais velho, como eu, mas perfeitamente reconhecível. Era ele, o Cotia, o maior artilheiro que eu já havia conhecido.
Há quanto tempo não o via? 15, 20 anos? Sei lá.
Em 1989, o ano da queda do Muro, no alto dos nossos 14 anos, o futebol, as amizades e os namoros eram a parte mais gostosa de nossas vidas. E o Cotia vinha de lá deste passado. E se o Muro caiu e alterou todo um futuro, para nós, à época, sua queda teve impacto menor do que aquele campeonato de futebol de salão da escola.
É, ao ver o Cotia ali, na minha frente, foi exatamente nisso que pensei: naquele campeonato. Ele está tatuado na minha memória.
Era o histórico campeonato de futebol de salão organizado pelo Seu Cláudio, o professor mais amado da escola, cujos campeonatos lançavam para o estrelato escolar seus maiores talentos, ano após ano, entre os idos dos anos 1980 e 1990.
Lembro perfeitamente que na quarta série, com 10 anos, enquanto no time do meu pai, o São Paulo, brilhavam os Menudos do Morumbi como Muller e Careca, para mim o ídolo era o Batom, da oitava série, o craque maior do campeonato de salão daquele ano, o primeiro que assisti entendendo um pouco as coisas.
Apenas os alunos da sétima e oitava séries, da escola inteira, podiam disputar aquele campeonato. Eu, na quarta, olhava para o futuro como algo quase inatingível, mas sonhava ser o Batom, jogar como ele, ouvir os gritos da torcida como ele, ganhar o campeonato como ele.
Me aproximei do Cotia e ele logo me reconheceu. Conversamos enquanto uma cerveja ia substituindo outra. Trabalho, filhos, dificuldades, perdas. O passado, aquele bichinho mais fofo que o presente, não demorou a aparecer.
- Lembra da oitava série? Outro dia encontrei fulano de tal aqui mesmo no centro...
Essa foi a senha para o passado entrar em cena de vez.
Claro que lembrava, nunca esqueci.
Aos 14 anos eu já não lembrava mais daquele menino de 10 anos, fã do Batom, afinal, eu já era quase um homem, até namorava.
Ainda na sétima série, em um arremedo de time, formado por pirralhos de 13 anos, participamos do campeonato do Seu Cláudio e, obviamente, não passamos da primeira fase. Mas é incrível como o tempo faz diferença quando somos crianças e pré-adolescentes. Um ano é uma revolução, no corpo, na mente, em tudo.
A oitava série foi o auge. Éramos o topo da hierarquia escolar. No nosso íntimo nos sentíamos mais fortes, mais bonitos. As amizades, os namoros, as histórias e o futebol ficaram gravados em nossas mentes. Aquele arremedo de time, formado por pirralhos de 13 anos, era agora um timaço formado por craques experimentados e reforçados por figuras novatas, introduzidas naquele ano no ambiente escolar, como o Cotia.
Claro que a barriga do Cotia não era grande como agora e ele era rápido como o vento. De verdade, eu nunca vi jogador igual. Com ele, o time se completou.
- E aquele campeonato do Seu Cláudio, hein, lembra?
Perguntou enquanto virava mais um copo.
É, ao ver o Cotia ali, na minha frente, foi exatamente nisso que pensei: naquele campeonato. Ele está tatuado na minha memória.
Era o histórico campeonato de futebol de salão organizado pelo Seu Cláudio, o professor mais amado da escola, cujos campeonatos lançavam para o estrelato escolar seus maiores talentos, ano após ano, entre os idos dos anos 1980 e 1990.
Lembro perfeitamente que na quarta série, com 10 anos, enquanto no time do meu pai, o São Paulo, brilhavam os Menudos do Morumbi como Muller e Careca, para mim o ídolo era o Batom, da oitava série, o craque maior do campeonato de salão daquele ano, o primeiro que assisti entendendo um pouco as coisas.
Apenas os alunos da sétima e oitava séries, da escola inteira, podiam disputar aquele campeonato. Eu, na quarta, olhava para o futuro como algo quase inatingível, mas sonhava ser o Batom, jogar como ele, ouvir os gritos da torcida como ele, ganhar o campeonato como ele.
Me aproximei do Cotia e ele logo me reconheceu. Conversamos enquanto uma cerveja ia substituindo outra. Trabalho, filhos, dificuldades, perdas. O passado, aquele bichinho mais fofo que o presente, não demorou a aparecer.
- Lembra da oitava série? Outro dia encontrei fulano de tal aqui mesmo no centro...
Essa foi a senha para o passado entrar em cena de vez.
Claro que lembrava, nunca esqueci.
Aos 14 anos eu já não lembrava mais daquele menino de 10 anos, fã do Batom, afinal, eu já era quase um homem, até namorava.
Ainda na sétima série, em um arremedo de time, formado por pirralhos de 13 anos, participamos do campeonato do Seu Cláudio e, obviamente, não passamos da primeira fase. Mas é incrível como o tempo faz diferença quando somos crianças e pré-adolescentes. Um ano é uma revolução, no corpo, na mente, em tudo.
A oitava série foi o auge. Éramos o topo da hierarquia escolar. No nosso íntimo nos sentíamos mais fortes, mais bonitos. As amizades, os namoros, as histórias e o futebol ficaram gravados em nossas mentes. Aquele arremedo de time, formado por pirralhos de 13 anos, era agora um timaço formado por craques experimentados e reforçados por figuras novatas, introduzidas naquele ano no ambiente escolar, como o Cotia.
Claro que a barriga do Cotia não era grande como agora e ele era rápido como o vento. De verdade, eu nunca vi jogador igual. Com ele, o time se completou.
- E aquele campeonato do Seu Cláudio, hein, lembra?
Perguntou enquanto virava mais um copo.
- Lembro.
Respondi.
Eu não tive coragem de olhar para ele mas, naquele instante, nós dois lembrávamos do que ocorrera naquela quadra no final daquele ano de 1989.
Aliás, naquele exato momento eu também me dei conta de que o acontecido jamais me abandonou, tanto que fiz questão de registrar e manter o meu título de eleitor naquela escola durante toda a vida só para ter o pretexto de voltar lá sempre e rever a quadra.
Sim, de dois em dois anos lá estava eu de volta à escola e, ao me encaminhar para a sala de votação e na volta, parava por alguns instantes e observava a quadra e voltava naquele dia de 1989.
Inscrevemos nosso time no campeonato do Seu Cláudio naquele ano de 1989 com o nome de Vai que é Mole e com grandes esperanças. E as esperanças se realizaram. Todo sábado pela manhã era um show aguardado. A cada vitória a consagração aumentava, a torcida aumentava.
Nos dias de aulas, nos sentíamos verdadeiras estrelas. Éramos apontados, falavam sobre nós nas rodinhas, nos olhavam com respeito. Cotia era o craque de fato, mas todos nós formávamos um time quase imbatível. Quase, pois o único obstáculo entre nós e a glória total, ou seja, o título do campeonato, era o Nápoli, o time da outra oitava série, liderado pelo Cristian, rival do Cotia na artilharia.
E após seis meses de intensa disputa, após os sábados pela manhã mais marcantes de todas as nossas vidas, se confirmou a lógica: Vai que é Mole e Nápoli disputariam a grande final. Cotia e Cristian chegaram empatados na artilharia com 30 gols cada um. No decorrer do torneio, nos enfrentamos duas vezes, com uma vitória para cada lado. Um confronto de Titãs.
Lembro que na noite anterior ao jogo final eu não dormi, tamanha a ansiedade. Mas estávamos confiantes porque o nosso time era bom e tínhamos o Cotia. Os detalhes daquele jogo permanecem frescos na minha memória.
A torcida lotava a lateral da quadra. Gritos, cantoria, muito barulho. Seu Cláudio, organizador e árbitro das partidas, deu o apito inicial. Aquele frio na barriga que me acompanhava a semana toda e aumentara na noite anterior, passou. O foco era o jogo. Cristian abriu o placar para o Nápoli. Cotia empatou. Em uma jogada coletiva linda, característica do nosso time, Cotia virou. Dois a um. Fim do primeiro tempo.
Vinte minutos me separavam do tão sonhado título. Era a glória.
Lembrei do Batom. Eu estava quase lá.
O segundo tempo começa difícil e logo, em duas jogadas de craque, Cristian empatou e virou o jogo. Três a dois para o Nápoli.
Há cinco minutos do fim, Cotia se livra do marcador e parte para cima. Acossado pelos adversários ele para, vira e me vê. A bola vem redonda no meu pé esquerdo. Três a três.
Por ter feito uma campanha com o mesmo número de pontos mas com alguns gols a mais, o empate era deles. Nos últimos minutos era tudo ou nada. Na pressão, atacamos. No bate e rebate no meio da quadra a bola sobra para o Cotia, de costas para o goleiro adversário. Era virar o corpo e fazer o gol do título.
Fabinho, goleiro do Nápoli e nosso amigo, não perdeu tempo. Uma voadora nas pernas derrubou Cotia que foi ao chão aos gritos. Fabinho é expulso e Cotia sai de quadra machucado. Era o fim do campeonato para ele e o fim da esperança de artilharia. Cristian vencera essa primeira disputa.
Faltava o campeonato.
Seu Cláudio reúne todos no meio da quadra e informa.
- O tempo regulamentar já se esgotou. Haverá a cobrança de falta. Se o Vai que é Mole fizer, é campeão. Se perder, o Nápoli leva.
Nosso cobrador de faltas oficial era o Cotia, que naquela hora estava fora de combate.
Na rápida reunião, a decisão: eu bateria.
A bola foi colocada na entrada da área, uns dois metros do gol. Todos os jogadores do Nápoli ficaram sobre a linha, embaixo da trave. O silêncio era assustador enquanto eu ajeitava a bola. Era o ato final, o ato pelo qual eu esperava por anos.
Onde bater?
Dei uns passos para trás enquanto pensava. Bater no alto? Por cima da barreira com força? Tentar acertar o pequeno espaço entre o último da barreira e a trave... Sim, era ali. Fui. Bati. A bola bateu na trave... e saiu.
Os jogadores do Nápoli saíram gritando e a torcida deles, também. A nossa fez o silêncio. Fiquei alguns momentos ali, parado. Não me lembro do que aconteceu depois. O tempo parou ali. Eu fiquei ali. É ali que eu volto até hoje ao retornar à escola e espreitar a quadra.
Foi o primeiro de meus fracassos. Certamente o mais doloroso e marcante de todos.
O grande Seu Cláudio ainda manteve o campeonato mais alguns anos mas eu já estava em outra escola, no ensino médio, e outros diferentes campeonatos vieram. Perdi, ganhei, mas nunca nenhum deles foi sequer parecido com aquele de 1989. Seu Cláudio morreria ainda novo, levando consigo o seu talento de professor e o seu apito que por tantos anos forjou a infância de tantos alunos.
Pedimos a conta.
- Você paga. Você perdeu o gol do título.
Cotia ardilosamente guardou aquele comentário para o final. Era o gol que ele não havia feito.
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