Em minhas memórias, o ano de 1982 é um conjunto de fragmentos se entrelaçam com o sabor da infância e a essência do amor que nos rodeia. Recordo-me da escola Antônio Diederichsen, nos Campos Elíseos. Foi naquelas salas de aula que conheci o primeiro amor, um amor inocente, imutável, que me ensinou os sussurros do coração e as promessas não cumpridas de uma adolescência que ainda estava a anos de distância.
A mais viva memória que tenho é que saía mais ou menos na hora do almoço e andava uns cinquenta passos para chegar em casa. Ainda na calçada já era possível sentir o cheiro da comida da minha mãe.
As tardes eram ensolaradas, banhadas pela luz dourada de uma infância livre. O cheiro da terra fresca misturava-se ao doce aroma da sorveteria na esquina, onde os sabores se deslizavam como segredos entre os amigos. A casa da rua Goiás era um refúgio mágico. Uma mangueira majestosa no quintal se erguia como um guardião das minhas aventuras, suas folhas sussurrando histórias de crianças que, como eu, sonhavam com o mundo.
Mas, em meio a esse cenário de felicidade, havia um ponto de luz e sombra que sempre brilhará em minha lembrança: minha avó Cida. O último aniversário de sete anos ao seu lado é uma imagem nítida nas minhas recordações. Ao redor do bolo, a risada dela ecoava, e a amorosidade em seus olhos era o maior presente que eu poderia ter recebido. Aquele dia em especial transbordava alegria, mas eu não sabia que seria o último a receber seus abraços calorosos, suas palavras cheias de amor e proteção.
Enquanto eu contava as velas e fazia pedidos, meu pai se afastava em uma pescaria no rio Araguaia, numa busca solitária de rememorações ou talvez uma fuga das realidades da vida. Não me lembro de quantos dias ele ficou longe;mas para mim, esses momentos se tornaram uma interrogação, um eco de perguntas que nunca foram respondidas. Essa ausência constante moldou uma compreensão tardia — porque a ideia de um casal de pai e mãe como referência era uma miragem que nunca se concretizaria.
Às vezes, volto aos Campos Elíseos na minha mente, onde as lembranças dançam entre as árvores e as ruas, entre sorrisos e a saudade. É um lugar que não existe mais, mas que habita meu coração, repleto de risos infantis e o calor de um amor que nunca se apagou. O tempo pode ter me afastado da casa da rua Goiás e da escola Antônio Diederichsen, mas a essência daquele ano de 1982, com sua mistura de alegria e perda, permanece viva dentro de mim, pulsando como um coração inquieto que se recusa a esquecer.
Ao olhar para trás, percebo que cada lembrança é um fio que tece o tecido da minha vida. A escola, com suas paredes que testemunharam sonhos e desilusões; a mangueira, que oferecia sombra nos dias quentes e abrigo nas tempestades; e o sabor do sorvete que derretia rapidamente, como os momentos que escapam entre os dedos. Cada elemento era uma peça do quebra-cabeça emocional que formava minha infância, e eu era apenas um menino tentando compreender o mundo à sua volta.
A vida, com suas ironias e surpresas, me ensinou lições que naqueles tempos eu não podia sequer imaginar. A ausência de um pai e uma mãe juntos me lançou em um mar de incertezas, um espaço onde as respostas se escondiam nas brumas da minha infância. Mas, mesmo assim, encontrei amor onde pude. Amizades que se tornaram laços fortes, e a sabedoria silenciosa de minha avó, que ainda ecoa em minha mente, guiando-me em momentos difíceis.
Como eu gostaria de ter mais tempo ao seu lado. De ouvir suas histórias, de aprender ainda mais com seu sorriso gentil e suas mãos enrugadas que sempre tinham algo precioso para oferecer. Mas, em vez disso, aprendi a carregar suas lições como um manto — a importância da família, da resiliência e do amor, que, mesmo em sua ausência, nunca me abandonou.
Agora, com o passar dos anos, percebo que a nostalgia não apenas me liga ao passado, mas também me impulsiona a viver intensamente o presente. O eco dos risos infantis que ainda ressoam nas ruas e a fragância da manga madura no quintal são lembretes do que realmente importa. Aprendi que, mesmo que o tempo leve pessoas queridas e momentos preciosos, as memórias permanecem como estrelas em um céu infinito, iluminando o caminho da nossa jornada.
1982 foi um ano de descobertas, e enquanto as folhas da mangueira dançavam ao vento, eu também dançava — não apenas entre os sonhos de uma criança, mas entre as memórias de amor que moldaram o que sou hoje. O menino que viveu nos Campos Elíseos, cercado de risadas e sorrisos, é, afinal, um capítulo fundamental da minha história, que ainda está sendo escrita, com tinta de saudade e amor.
Ah, e foi em 1982 que eu senti pela primeira vez como o futebol se mistura à vida das pessoas. Lembro-me nitidamente o dia da derrota da seleção para a Itália e todas as pessoas da rua vivendo a tristeza e comentando o fato, dos frequentadores do bar da esquina às donas de casa que só se interessavam por futebol na s copas do mundo.
Ricardo Jimenez
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